domingo, 20 de janeiro de 2008

E o Mangue não era necessariamente fusão. Parece o punk em NY, se no punk inglês, a maioria das bandas pegou aquela base sonora dos Ramones e transformaram, vamos dizer, o punk num estilo musical, todas as bandas injetavam alguma coisa nova. Tipo sex pistols, buzz, the clash, todas botavam alguma coisa nova no som. Mas a base, era a base sonora dos ramones. Isso o punk inglês, já em nova York, existia a idéia do punk, mas havia uma total diversidade musical. Tipo tal king heads não parecia com som de ramones que não parecia com som de the sets que não parecia com som de television. O punk não era um estilo musical, era aquela atitude de fazer musica ali naquele lugar, naquele barzinho. Mas não era, não tinha uma comunidade sonora, não era um estilo musical. Depois quando foi pra Inglaterra, se tornou. E o Mangue tem a ver com isso(...)[1] A gente é dessa estética, se aproximando da estética punk, de atitude e musicalmente falando também. É de você tentar correr atrás, o máximo, correr mesmo, tentar se agarrar ao que você quer fazer. Chico era um cara muito determinado nesse sentido. É o que dava o empurrão em todo mundo, que batia de porta em porta, chamando os caras. E o que a gente se aproximou mais dessa cena punk e tal, acho que foi dessa cena inglesa, onde brancos e negros se encontraram pela primeira vez. E o Clash é um ícone maior também. Acho que o mais próximo do que é punk. O Clash se projetou no mundo de uma maneira, não tinha como deixar de ver, de ouvir...[2] eu acho que o punk, cara, foi um ... Não chegou a ser um movimento também não. Porque se você parar e for ver a fundo, não existiu uma estética própria não. não era um movimento. E também durou quanto tempo, o punk? Ao mesmo tempo aquilo ali, a idéia do despojamento e do impacto visual, da contra-cultura, isso foi mais importante do que a estética musica, que quase não existiu. Não existiu uma estética punk. Então é muito mais uma parada intelectualizada do que uma estética musical. Era mais comportamental. Assim como o movimento mangue também. Não era uma estética musical, nunca foi.[3]


[1] Entrevista com João - The Playboy - 08 de fevereiro de 2007 - Recife

[2] Entrevista com Jorge Du Peixe - Nação Zumbi - 24 de abril de 2007 - São Paulo

[3] Entrevista com Lucio Maia - Nação Zumbi - 24 de abril de 2007 - São Paulo

Em qualquer lugar do mundo, por mais carente que seja a comunidade, haverá sempre uma guitarra vagabunda plugada num amplificador podre e uma bateria de lata para que garotos descubram a inigualável experiência de fazer os seus próprios sons. E, uma vez que montem suas primeiras bandas, eles decerto quererão escrever letras que falem do seu cotidiano e de suas inquietações, seja de forma brincalhona ou sisuda, coerente ou delirante. Pois bem, isso é punk rock. [1]

No Brasil, a cena punk se embrenhou em diversas cidades. Mas as cidades-ícones foram São Paulo e Brasília. Brasília de onde surgiram as bandas do B-Rock na década de 1980. Em São Paulo, os punks prometiam "Estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira; para pintar de negro a asa branca; atrasar o trem das onze; pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer."[2] Mas, segundo Bivar, apesar da proposta ser genial, os punks de São Paulo não fizeram isso até agora. A asa branca, o trem das onze e a Amélia ainda não foram superadas. Talvez por isso o jornalista carioca Pedro Só diga que o punk de São Paulo deu mais certo em Recife, com o Mangue.[3] Para a jornalista paulistana Bia Abramo, o passo adiante que os punks de Recife deram ao criar a Cena Mangue foi terem se inspirado em Malcolm Maclaren:

(...) eles leram melhor o punk. Porque eles leram Malcolm Maclaren. Eles não leram simplesmente a rebeldia. Eles leram a armação.[4]



[1] ESSINGER, Silvio Punk. Anarquia planetária e a cena brasileira São Paulo: Editora 34, 1999 (p.15)

[2] Clemente - Inocentes - citado por Bivar em entrevista dada a Renato L, Diario de Pernambuco

[3] Entrevista com Pedro Só por Rejane Calazans e Clarisse Vianna em 03 de fevereiro de 2007

[4] Entrevista com Bia Abramo por Rejane Calazans e Clarisse Vianna em 23 de abril de 2007

Por incrível que pareça...

No material de qualificação da minha pesquisa, fiz referência à relação entre o Manguebeat e os punks. Essa afirmação causou estranheza à banca. Santuza Naves me perguntou como os mangueboys tão solares poderiam ter relação com os punks tão soturnos. Mas essa estranheza é apontada até mesmo pelos mangueboys, como Rogerman enfaticamente observou ao falar do início da Cena Mangue.

Sem dúvida, Mangue nasceu do punk, por mais louco que isso possa parecer. (...)[1]

De fato, se compararmos o estereótipo do Mangue com Chico Science, que foi grande ícone do Manguebeat, a estranheza só faz aumentar.

No entanto, Renato L e Fred 04 eram punks e não eram os únicos. Rogerman continua seu argumento de que a origem do Mangue estaria no punk.

Todos os cabeças do Manguebeat, Chico, Mabuse, Renato L, 04... 04 era punk mesmo. 04 era punk! Tinha filosofia punk de vida. (...) Então, aquela coisa de, a própria estrutura do Eddie na época, mesmo sem querer, a gente não tinha tanto esse foco como os meninos tinham, do punk, mas virou punk, porque a gente que fazia tudo. (...) Então, a atitude punk na época era sangue, suor e cerveja. Era se divertir, era fazer eventos, ir de encontro ao padrão vigente na época, musical, estético, você ir de encontro àquilo. [2]

Ou seja, Rogerman também nós dá pista para pensarmos que a influência do punk no Mangue estrapola os estereótipos, ela não está na aparência, mas no princípio: “Do it yourself!”.



[1] Entrevista com Rogerman por Rejane Calazans e Clarisse Vianna em 10 de fevereiro de 2007

[2] Entrevista com Rogerman por Rejane Calazans e Clarisse Vianna em 10 de fevereiro de 2007

Punk, o conceito

Não é algo que coloque em palavras e comece a rotular. É algo espiritual a qual vai além de pessoas com visual punk rock.[1]

Existe a controvérsia: aonde o punk nasceu? Em Nova York , com aquela cena em torno do CBGB, ou em Londres, com os Sex Pistols? Como o cineasta Jim Jarmusch observou, apesar das diferenças , “(...) havia o sentido de uma comunidade internacional de idéias” (Punk Attittude – documentário de Don Letts).

Essa comunidade se espalhou pelo mundo e o punk tornou-se uma “comunidade de sentido”, ou seja, uma agregação de indivíduos que partilham interesses comuns, vivenciam determinados valores, gestos e afetos, privilegiam determinadas práticas de consumo, enfim, manifestam-se obedecendo a determinadas produções de sentido em espaços desterritorializados, através de processos midiáticos que se utilizam de referências globais da cultura atual.[2] Assim, o punk deixa de ser uma forma de vestir, um jeito de fazer música e mesmo a cena de Nova York ou de Londes da década de 1970 e se torna um conceito ou “uma coisa filosófica sobre como observa as coisas.“[3]

E, de Recife, DJ Dolores se referiu a esse caráter do punk, que transcende a música.

Essa coisa do punk-rock pra minha geração, gente que tem 40 anos hoje em dia e que via na música não só uma nota atrás da outra mas a musica como uma forma de expressão, como uma forma, vamos dizer, de arte, de arte urbana, de arte contemporânea e tal. Viam no punk-rock essa coisa super explícita. A música não é só música, é uma forma de comportamento, é um jeito da gente falar com as outras pessoas, da gente se comunicar com o resto do mundo, né. O punk rock era uma música que vinha embutida, você comprava um disco de punk rock vinha embutido comportamento, atitude. Talvez por isso que tenha sido uma coisa tão marcante pra nós nessa época.[4]


[1] Jello Biafra - Dead Kennedys - punk attittude

[2] JANOTTI JUNIOR, J.S. Mídia, cultura juvenil e rock and roll, comunidades, tribos e grupamentos urbanos. Anais do 26. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belo Horizonte-MG, setembro de 2003. São Paulo: Intercom, 2003

(http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4994/1/NP13JANOTTI.pdf)

[3] Jim Jarmusch – Punk Attittude

[4] Entrevista com DJ Dolores por Rejane Calazans e Clarisse Vianna em 09 de fevereiro de 2007

Punk, uma decepção

Depois de algum tempo, tanto Fred quanto Renato começaram a se decepcionar com o punk, ou melhor, com o que o punk havia virado, uma caricatura.

Até porque, eu e Fred, a gente foi do movimento punk quando a gente era moleque assim, parte dos anos 80. E a gente viu, sofreu na pele, toda a distorção que a grande mídia fez em cima do punk aqui no Brasil, a caricatura, Gilberto Gil, o Jô Soares, personagem de novela, e os próprios integrantes do movimento. Virou um uniforme, você tem que, sabe, era quase como se você estivesse vestindo um uniforme, ser punk. Tinha o corte x de cabelo, a camisa assim, bababa. Então a gente não queria chamar de movimento por todos esses motivos, mas aí a gente começou a trabalhar o mangue nesse conceito de cena.[3]

Apesar do punk também ser reconhecido como cena, e até Renato L observar que a idéia de criar uma cena foi inspirada no senso de coletividade da cena punk, Renato e Fred apontam sua decepção com o punk e a atribuem tanto à sua distorção quanto ao fato de ter sido encarado como movimento. Essa decepção é compartilhada pelos punks de Nova York e Londres.

Tornou-se regra depois quando todos usavam jaqueta de couro com tachas e cortes moicanos e tudo mais.[4] Quando a bola estava rolando para todo mundo, começou a ficar um certo clichê.[5]De repente, o país todo conhecia e todo mundo ia aos shows com aquilo que achavam que era o look do punk rock que era o alfinete na bochecha e as roupas pretas. Mas se olhar as bandas, nenhuma delas tinha alfinete nas bochechas, ninguém usava sacos de lixo, era criação dos tablóides.[6]

No entanto, essa decepção não significa descartar o punk, mas significou uma depuração do que é o punk e uma migração, punk começou a significar mais do que uma cena, não que tenha deixado de significar cena, mas se tornou um conceito.


[1] Alusão à sala de tortura do romance 1984, de George Orwell

[2] LUNA, Adelson “mundo livre s.a./ Fred” (entrevista com Fred Zero Quatro) In: Manguenius (http://www.zaz.com.br/manguenius/numero-00/num-00/ctudo-chamada-fred04.html)

[3] Entrevista com Renato L - 09 de fevereiro de 2007 - Recife

[4] Captain Sensible - The Damned - punk attittude

[5] Howard Devoto - The Buzzcocks - punk attittude

[6] Paul Simon - The Clash - punk attittude

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Os punks da praia

Na década de 1980, Renato L foi a São Paulo, para um encontro de estudantes de jornalismo. E voltou para Recife com uma cópia do Grito Suburbano, uma coletânea em vinil das bandas punks de São Paulo.[1] Como era de praxe, Renato L mostrou sua nova aquisição aos seus amigos.

Então influenciados por aquele som cru e agressivo, todo mundo resolveu fazer a sua banda punk. A minha era Serviço Sujo; Renato fundou a Sala 101[2]. O som era basicamente hardcore.[3]

Renato L e Fred 04, então, começaram a se vestir como punks. Mas Fred vestido com coturnos pretos e alfinetes espetados no rosto não agradava muito sua mãe.

E teve uma época que ela falou assim “eu não criei nenhum punk, se você quiser ser punk, vai morar com os punks”, ela ficava meio horrorizada de me saindo daquele jeito. (...) Eu não tinha como ir morar com os punks, porque não existiam punks. Os punks éramos eu e Renato. (...) Então, a gente criou uma certa forma de burlar essa repressão, burlar o sistema familiar. A gente saía com os alfinetes e as roupas rasgadas na mochila e ia um para a casa do outro. Se encontrava às vezes na praia. Aí voltava de uma farra e ia pra praia, às vezes acordava na praia e ficava um tempão na praia, de coturno. Então, a gente assustava algumas pessoas conhecidas. (...) E ficamos conhecidos como os “punks da praia”.[4]



[1] L, Renato “Saudades de SP” In Manguetronic (http://salu.cesar.org.br/manguetronic/)

[2] Alusão à sala de tortura do romance 1984, de George Orwell

[3] LUNA, Adelson “mundo livre s.a./Fred 04” (entrevista com Fred 04) In Manguenius (http:www.terra.com.br/manguenius/numero-00/num-00/ctudo-chamada-fred04.html)

[4] Entrevista com Fred Zero Quatro por Rejane Calazans e Clarisse Vianna em 11 de fevereiro de 2007