quarta-feira, 21 de maio de 2008

Ensolarado byte




Ensolarado Byte é um documentário centrado na trajetória de três artistas-chaves da cena musical pernambucana. O primeiro deles é o DJ e produtor DJ Dolores, pioneiro do Mangue Beat e, hoje, renomado nacional e internacionalmente por seu complexo mix de texturas eletrônicas e orgânicas. O segundo assina simplesmente Neílton, guitarrista da banda de hardcore Devotos, artista plástica e (re)construtor de artefatos tecnológicos os mais variados. Fecha o trio o coletivo Re:combo, representado por Doktor Mabuse, também pioneiro do Mangue Beat e articulador de uma rica reflexão sobre o uso de conceitos como "copyleft" e "licenças de uso abertas".

Esses três músicos/pensadores/construtores são os fios condutores de uma narrativa que pretende trazer para o público a relação entre a nova música pernambucana - aclamada em todo o país por sua diversidade e vigor criativo - e as tecnologias digitais das últimas duas décadas. No Recife, essa fricção foi incentivada pelo desenvolvimento paralelo da cena cultural deflagrada pelo Mangue Beat e de um complexo tecnológico chamado Porto Digital - situado no "Recife Antigo", área portuária que traz as marcas da colonização holandesa - com empresas de software de grande dinâmica.

Não à toa, um dos hinos do Mangue Beat proclama que "computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro": as respostas que os músicos locais encontraram para os impasses e possibilidades trazidas pela revolução tecnológica estão entre as mais interessantes dos últimos tempos. Seguindo uma tradição da periferia em reinventar paradigmas e ferramentas desenvolvidas no "centro do mundo", esses artistas encontraram soluções criativas para a produção e distribuição de suas músicas.

Dirigido por Maurício Correia, Ensolarado Byte mostra que um outro mundo é possível, quando se trata de usar ou (re)pensar a tecnologia para fins criativos. Não é preciso rios de dinheiro para fazer uso vantajoso das possibilidades que ela traz. E melhor: se os ganhos artísticos são inegáveis, um importante feedback acontece na área social, com geração de empregos e aumento da auto-estima. Recife, tão pobre, mas culturalmente tão diversificada, nos oferece essa importante lição.


Diretor: Mauricio Corrêa
Produtor: Asas Cinema e Video / TV Universitaria PE / Fundação Padre Anchieta / TV Cultura
Site Oficial e download: http://ensolaradobyte.blogspot.com
Licença: Atribuição - Uso Não-Comercial - Não a obras derivadas 2.5

Apoio
ABD/APECI
3 Brasis Comunicação Cultural
Idéia e Imagens
Porto Digital
Organização do Porto Musical
Oficina de Imagens
Paulo André - Nave Produções

terça-feira, 20 de maio de 2008

Manguetown

Tem algum francês por aí?

DJ Dolores, un Brésilien qui fait danser en invoquant Sartre

LE MONDE | 27.02.08 | 18h07 • Mis à jour le 27.02.08 | 18h07


Le musicien brésilien DJ Dolores a fait escale au New Morning, à Paris, mardi 26 février, au cours de sa tournée européenne qui passera par quelques autres villes françaises. Son album 1 Real vient juste de sortir. Le temps a manqué pour que ce nouvel album, plutôt séduisant, ait eu le temps de séduire. DJ Dolores aurait mérité plus d'affluence que cette salle loin d'être pleine.

Créatif, ingénieux, capable d'inventer des alliages sonores à la fois subtils et dansants, il est une des figures de la nouvelle scène musicale de Recife, capitale régionale de l'Etat du Pernambouc, dans le Nordeste brésilien, d'où sont issus également Lenine (installé à Rio) ou Silvério Pessoa.

"MANGUE-BEAT"

Proche de Chico Science (mort à l'âge de 27 ans, dans un accident de voiture, un soir de carnaval, en 1997), un des chefs de file avec le groupe Naçao Zumbi du mouvement musical et culturel "mangue-beat" qui chamboulait le paysage musical du Nordeste à la fin des années 1980 avec un mélange de rock, électro, percussions afro-brésiliennes, dub et drum'n'bass, DJ Dolores prône lui aussi le brassage musical.

Du ventre de son ordinateur jaillissent des boucles, des rythmes, des bruits électroniques et des instruments samplés, une effervescence sonore, d'où émergent des effets dub et drum'n'bass, venant astucieusement habiller les traditions rythmiques et dansantes du Nordeste. Aux côtés du DJ, deux cuivres et une guitare ajoutent quelques couleurs flatteuses. Celle qui capte le plus les regards et débride l'atmosphère, parfois un peu figée sur scène, c'est Isaar, chanteuse habitée à la voix haut perchée, aux tresses en bataille remontées en chignon.

Les textes des chansons, écrits par DJ Dolores, parlent de bon sens perdu (Sanidade), d'alcools forts qui font danser toute la nuit (Azougue). Elles se moquent des body-builders ignorant que les mots peuvent être un moyen de séduction bien plus efficace qu'un corps parfait (J.P.S., où il est question de Jean-Paul Sartre, "Don Juan improbable mais dont les entreprises sont couronnées de succès"), évoquent "la désintégration émotionnelle que certaines femmes ont le pouvoir de provoquer chez les hommes" (Tocando o Terror). Piochées dans ses trois albums, les chansons de DJ Dolores ont en outre une indéniable capacité à faire danser. La piste du New Morning ne désemplit pas.

DJ Dolores : le 5 mars, à Nantes (Jam), le 6 à Bordeaux (Cat), le 7 à Marseille (Poste à Galène), le 8 à Bourgoin Jailleu (Les Abattoirs). 1 Real : 1 CD Crammed Discs/Wagram.

Patrick Labesse

Article paru dans l'édition du 28.02.08.

Quanto vale mesmo 1 Real?


DJ Dolores se inspira nos ambulantes do Recife para dar nome ao novo disco, mais pop e universal

José Teles

teles@jc.com.br

O novo disco de DJ Dolores chama-se 1 Real. É o de embalagem mais luxuosa entre os seis que ele já lançou (contando com trilhas sonoras para cinema e teatro). Paradoxalmente suas ilustrações, e inspirações para algumas letras são calcadas nos sinais explícitos da impagável e peculiar miséria que assola o Recife: "O Recife é o centro das atenções neste disco, onde procurei relacionar o ambiente com a música", confirma DJ Dolores.

Os signos da vida abaixo do nível de pobreza estão espalhados pelos pela capa e encarte. Como por exemplo, os pequenos cartões com os quais mendigos pedem auxílio nas ruas e coletivos: "Faça hoje uma boa ação – Ajude-me comprando este por 0,50 aceito vale, passe e tickes (sic)". O título do CD vem de um "cardápio", de uma destas carrocinhas que vendem fast-food de origem duvidosa: "Pastel coxinha c/guaraná R$ 1".

Mas não se pense que o disco também é alicerçado nos ritmos regionais, ou apenas nestes. 1 Real é um trabalho de difícil catalogação, até porque DJ Dolores envereda também pela composição das canções, inclusive escrevendo letras. A faixa que abre o disco é um reggae, é assim explicado por ele, no encarte (em inglês): "Músicos não sabem como classificar sua própria música, e deixa esta tarefa dúbia para gerentes de marketing e jornalistas. Músicos querem fazer música e não se preocupam em qual prateleira o disco será colocado. De forma que deixemos os cães latirem enquanto a caravana dança".

Músicos talvez não se preocupem em rotular o que produzem, mas jornalistas têm que traduzir a música para o leitor. No caso de 1 Real nunca o rótulo world music se encaixa tão bem num disco. E por world music entenda-se música sem fronteiras: "A diferença para meus outros discos é que este está mais internacional", ratifica ele. E também o som mais aproximado do pop, como acontece em Shakespeare (de Caldão Volpato, feita para Senza vapore, disco de cabeceira dos mangueboys de primeira hora). Marion Del'Eite, cantora francesa que vive no Rio, a interpreta em levada de chanson, lenta e suave. Esta é para tocar no rádio.

Porém Shakespeare é antecedida por Wakaru, um caboclinho turbinado. "Há muitos elementos desconexos nesta canção: pífanos de caboclinho, linha de baixo de trance, uma rabeca melodiosa e um cara falando num japonês estropiado. Sacou a coisa? Nem eu, mas gostaria", diz Dolores.

O elemento surpresa se faz presente ao longo de todo o disco. Quem esperaria um surfe rock, meio indie, num disco de DJ Dolores? Flying horse é isto, ou melhor, como ele próprio explica: "Há uma faixa surpreendente de Saul Williams (rapper, ator e escritor americano) na qual ele se vale de surf music como fundo para um poema dele. Queria fazer algo semelhante, mas em certo momento perdi controle e a canção acabou soando como seria com uma velha banda de garagem brasileira se eles já tivessem computadores nos anos 70. Música tem vida própria, é só segui-la".

Depois de um rock, uma faixa intitulada Saudade, inspirada num forró dos anos 70, A velha debaixo da cama (Jonas Andrade), que também acabou saindo do controle, "Quando comecei esta faixa tinha aquela música na cabeça, mas não sei exatamente o que aconteceu. Talvez tenha sido o frio de Campos do Jordão (onde eu estava quando compus a música), mas acabou como uma coisa melancólica, sentimental".

Uma das melhores faixas do álbum é Tocando o terror, um carimbó cadenciado, com umas levadas latinas no meio, e uma guitarra matadora de Gabriel Melo (co-autor da canção). "Fui para o estúdio com a base pronta, porém sem ter idéia de como desenvolver a coisa. Então Gabriel veio com um tremendo solo e aconteceu", conta Dolores a criação da canção, que é cantada por Tiné (da Academia da Berlinda), um dos vários convidados do disco. As vozes quase todas são de Isaar (que está cada vez melhor cantora, com seu timbre único). Mônica Feijó, Cláudia Beija, Silvério Pessoa e Hugh Cornwell, da banda inglesa protopunk The Stranglers, são as outras vozes no disco.

Nos instrumentos, uma seleção de craques, entre os quais o sempre instigado guitarrista Fernando Catatau, o baixista Júnior Areia e Bactéria (Mundo Livre S/A), Dengue. DJ Dolores derrama-se em elogios a Yuri Queiroga, espécie de faz-tudo do disco, presente em quase todas as faixas, tocando de guitarra a ocarina.

No luxuoso encarte, Dolores em lugar das letras das canções, preferiu incluir pequenos textos, uns comentando as faixas, outros filosófico, como o de Cala cala (uma das poucas faixas que lembram ao primeira fase, com a Santa Massa, com a rabeca de Maciel Salu à frente): "Fico constantemente impressionado pelo tipo de convicção que é marca registrada do idealista extremado. Universo que o cerca é hostil ao seu ponto de vista – então eles atacam veementemente nosso mundo o qual – sob sua ótica – parece imperfeito e necessitando de ser transformado".

Lançado pelo selo belga Crammed (o mesmo de Cibelle, Bossacucanova, Konono nº1, John Lurie), 1 Real sairá primeiro na Europa, em fevereiro, quando DJ Dolores e a Aparelhagem embarcam numa turnê por sete países, começando em Portugal e terminando na França. "Não sei exatamente quando o disco será lançado aqui, mas pretendo fazer isto o mais breve possível, para viajar com o show também pelo Brasil. Estou negociando, pode ser que saia encartado em alguma revista. Vou fazer também uma edição mais simples, para vender nos shows", diz. Dolores socializa algumas canções para quem estiver a fim de conhecer um pouco do disco. Ele colocou cinco faixas no www.myspace.com/djdoloresaparelhagem, com as letras.



Publicado em 05.01.2008 - Jornal do Comercio

1 real: novo CD de DJ Dolores

Eu só não entendi uma coisa. Porque ele fala em inglês se tem legenda em inglês? Ou porque tem legenda em inglês se ele fala em inglês?

quinta-feira, 15 de maio de 2008

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Caranguejos com Cérebro

Mangue - O conceito

Estuário. Parte terminal de um rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos dos mares. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.

Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem dos alagadiços costeiros.

Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa, para os cientistas os mangues são tidos como os símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.

Manguetown - A cidade

A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada, é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade "maurícia" passou a crescer desordenadamente as custas do aterramento indiscriminado e da destruição dos seus manguezais.

Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de "progresso", que elevou a cidade ao posto de "metrópole" do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.

Bastaram pequenas mudanças nos "ventos" da história para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem no início dos anos 60. Nos últimos trinta anos a síndrome da estagnação, aliada à permanência do mito da "metrópole", só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.
O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do país. Mais da metade dos seus habitantes moram em favelas e alagados. Segundo um instituto de estudos populacionais de Washington, é hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver.

Mangue - A cena

Emergência! Um choque rápido, ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico pra saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruir as suas veias. O modo mais rápido também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paraliza os cidadãos? Como devolver o ânimo deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco da energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.

Em meados de 91 começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo é engendrar um "circuito energético", capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo, uma antena parabólica enfiada na lama.

Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em: quadrinhos, tv interativa, anti-psiquiatra, Bezerra da Silva, Hip Hop, midiotia, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso, sexo não-virtual, conflitos étnicos e todos os avanços da química aplicada no terreno da alteração e expansão da consciência.


quinta-feira, 8 de maio de 2008

Soy loco por sol

Recife, Livraria Cultura, tomo um café com Fred Zero Quatro, enquanto ele conta pra mim e pra Clarisse que entrou no you tube e encontrou um clip de "Soy loco por Sol"*. Diz, todo orgulhoso, que é uma animação muito bem feita e que a banda está tentando entrar em contato com os criadores, para pedir direito de uso. Nesse momento, chega sua produtora, Priscila, que diz que não consegue contatar os criadores do clip. Ela suspeita que eles estejam temerosos, pensando que a banda quer cobrar direitos pelo uso da música, quando, ao contrário, eles querem o direito de uso da imagem criada pelos fãs quase anônimos.



* Música do mundo livre s.a. (Cd Bebadogroove)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

domingo, 4 de maio de 2008

Lucas e o Quiz

Lucas tem 17 anos. O sonho dele? Ser editor. Para isso, começou a fazer estágio em uma produtora. Mas, o sonho dele parecia estar longe de ser realizado. Lucas era mais officeboy do que assistente de edição. Ele fazia os serviços de banco e compras. Mas sempre fazia alguma coisa errada. O que nãoe era mais um motivo para os chefes dele o humilharem. Na verdade, eles não precisavam de motivo para isso. Já fazia parte do ritual diário, talvez já parte do TOC de Sandro, o editor. Com o tempo, Lucas começou a mexer na ilha de edição. Não, ele não começou a pagar as contas em dia, nem deixou de esquecer o troco na loja e muito menos passou a comprar os sanduíches certos. E também não deixou de ser humilhado. Simplesmente, acho que seus chefes cansaram de vê-lo parado, fuçando o orkut. Acho que era mais uma tentativa de maltratá-lo.

Foi nesse momento que o conheci. Ele era estagiário da QK, onde eu e Clarisse editamos nosso documentário. Lucas nunca tinha ouvido falar em Manguebeat. Chico Science, ele conhecia. O irmão dele tinha um CD, aquelas coletâneas Milenium, ou algo do gênero. Lucas, por sua persistência em errar sempre, não acertar nunca, mas continuar tentanto, virou o assistente de edição do nosso documentário. Sabe como é, orçamento baixo, a gente paga pouco e engole sapo. Lucas foi responsável por captar as imagens. Um dia, resolvi testar os conhecimentos dele acerca do Mangue e pedi para ele fazer o quiz do mangue. E não é que ele tinha aprendido. O menino acertou quase tudo.


P.S.: O que é real nisso tudo: O Lucas realmente não sabia nada de Manguebeat e aprendeu na Ilha de Edição. Ou seja, ele é esperto. Ele não errava os sanduíches. O pessoal da QK é muito gente boa e os maltratos ao Lucas não eram diários. O editor Sandro tem TOC mesmo, não consegue ver um porta-copo fora do seu suposto lugar. Mas é um ótimo editor, DJ, ator e pai. Sandro nos ajudou muito a pensar o filme e fazê-lo ter o tamanho que deveria. Ele era um ótimo patrão para o Lucas. Sim, nós pagamos pouco, mas recebemos serviço de primeira. Indico a Quebra Kabeça de olhos fechados. Porque de olhos abertos....piada ridícula, eu sei. Falando sério, a QK é ótima e tem sempre uísque: http://www.qkproducoes.com/v1.html

P.S2: O que é realmente real nisso tudo: O quiz é muito fácil, qualquer um acerta tudo. E o Lucas ainda conseguiu errar.

Quanto vale uma vida - o segundo manifesto Mangue

QUANTO VALE UMA VIDA.

I - LONGA VIDA AO GROOVE!

Os alquimistas estão chorando. A indignação ruidosa de Lúcio Maia com a ferocidade carniceira da imprensa nos faz lembrar que nem tudo tem que ser movido a cinismo e oportunismo no - cada vez mais - cínico e vulgar circuito pop.
Antes de mais nada, salve Lúcio, Jorge, Dengue, Gilmar, Toca, Gira e Pupilo. Salve Paulo André e longa vida ao Nação Zumbi, com seu groove imbatível, mix epidêmico e urgente de química e magia que cedo ou tarde vai varrer o mundo! A primeira vez que vimos Chico juntando a Loustal com o Lamento Negro (o embrião do que seria a Nação Zumbi, ainda no início de 91), comentamos arrepiados, eu e Renato L.:"não importa que estejamos no fim do mundo e sem dinheiro no bolso; não tem errada, não há nada no mundo que possa deter esse som!" Na nossa ficha, constava a produção de vários programas de Rock na cidade, onde nos esforçávamos para mostrar sons novos e interessantes de todos os cantos do mundo. E não havia dúvida de que naquele momento estávamos diante de algo absurdamente novo e irresistível. Começamos imediatamente a viajar num conceito capaz de colocar o Recife no mapa. É claro que houve momentos nos últimos anos em que chegamos a pensar que talvez tivéssemos ajudado a criar uma espécie de monstro incontrolável. Mas hoje sabemos que agimos bem, não poderíamos agir de outro modo.
- E agora, mangueboys?
Chico era referência e inspiração para muita gente, talvez para toda uma geração de recifenses. E a perda para a Nação Zumbi é irreparável em termos de carisma, energia vocal, gestual, etc. Ninguém questiona isso. Mas o que muita gente esquece é que a fórmula criada por Chico tinha uma base muito sólida em termos de cozinha, acompanhamento, groove. A maioria das pessoas desconhece alguns fatos. Quando eu conheci Francisco França, ele era o lado mais extrovertido da mais nova dupla do barulho da cidade. Chico e Jorge eram inseparáveis como unha e carne, egressos da "Legião Hip Hop", que reunia no final dos anos 80, alguns dos melhores dançarinos e djs que o Recife já conheceu ( alguém aí já viu Jorge Du Peixe dançando "street"? A galera que hoje em dia ensina funk nas academias de dança não daria nem pro caldo...).
Jorge sempre foi um pouco mais tímido, mas não menos engraçado, e os dois se completavam em termos de gosto, idéias, visão e criatividade. Chico sempre teve mais iniciativa e era, como todos sabemos, um letrista formidável. Mas alguém aí se lembra quem é o autor da letra do clássico "Maracatu de Tiro Certeiro"? Isso mesmo, Jorge Du Peixe...
Quanto a Lúcio Maia, qualquer um que acompanhe a Guitar Player, sabe que é cada vez maior o número de pessoas que o consideram um dos mais talentosos e ecléticos guitarristas brasileiros, uma verdadeira revelação dos últimos tempos. Dengue, então, é aquele baixista contido, discreto, mas super-eficiente. Desde os tempos do Loustal, ele sempre conseguiu encaixar a levada perfeita para o estilo fragmentado dos versos de Chico. E quanto aos tambores e à bateria, nem é preciso comentar. Não se via, no rock and roll, uma engrenagem tão potente e envenenada desde a morte de John Bonham.
Quando toda a crítica brasileira caiu de quatro sob o impacto avassalador do "Da Lama ao Caos", houve no Recife quem apostasse que Chico despontaria em carreira solo já no segundo disco. Argumentavam que, por um lado Chico tinha luz própria de sobra e por outro a fórmula do Nação Zumbi não renderia mais nada interessante, pois já teria se esgotado. Eu e Renato torcemos para que acontecesse o contrário, para que Chico não se rendesse à vaidade pessoal e injetasse todo gás possível no fortalecimento da banda. Ele não decepcionou, mostrou que não era nem um pouco ingênuo ou deslumbrado e que sabia muito bem do que precisava para se manter no topo. O resultado foi o brilhante "Afrociberdelia", um trabalho coletivo - com Lúcio mais ativo do que nunca do que nunca na produção.
Portanto, se existe uma banda que tem total autoridade e potencial para ocupar condignamente o lugar que o inesquecível Chico Science deixou vago no topo, essa banda é sem dúvida a Nação Zumbi. Por sinal, o próprio Chico nem cogitava em dar por esgotado o formato da banda, tanto que já planejava entrar com os brothers no estúdio ainda este ano para gravar o terceiro disco. LONGA VIDA AO GROOVE!!!


II- BUSCANDO RESPOSTAS

"Something is happening here, but you don´t know what it is. Do you, Mr Jones?" Essa frase de Bob Dylan me vem à mente sempre que eu penso no tom de alguns comentários publicados nos maiores jornais do país a respeito da morte de Chico. Talvez com intenção de pintar o fato com as cores mais chocantes, expurgando, assim, a dor e a revolta da perda, as matérias acabavam invariavelmente emitindo um tom derrotista ou até desolador.
Se o caso é especular sobre o que pode acontecer daqui em diante, o mais oportuno seria tentar identificar na história do Pop, fatos ou situações semelhantes que possam servir de exemplos. Em se tratando de movimentos de cultura Pop; gerados em focos isolados; situados na periferia do mercado; e com reconhecimento mundial, os fenômenos mais correlatos ao Mangue Beat que se tem notícia - ainda que os estágios de desenvolvimentos sejam distintos - são a Jamaica pós-Bob Marley e Salvador pós-Tropicalismo.
Sobre Salvador, minha experiência como mangueboy me diz que o Tropicalismo não surgiu lá por acaso. Nada no mundo poderia ter impedido o caldo cultural da cidade de gerar posteriormente ( e na sequencia ) os Novos Baianos, A Cor do Som, os trios elétricos, a Axé Music, o Samba - Reggae, a Timbalada, etc. Também não foi por milagre que a Jamaica se tornou berço do Calipso, do Ska, do Reggae, do Dub, do Raggamuffin e de todas as variantes do Dancehall que hoje, quase 20 anos depois da morte de Marley, contaminam as paradas de sucesso de todo o mundo.
Esses dois fenômenos foram condicionados por combinações específicas de fatores geográficos, econômicos, políticos, sociológicos, antropológicos, enfim, culturais, cuja história eu não seria capaz de analisar. Mas em se tratando de focos isolados que a partir de um determinado estímulo geram uma reação em cadeia capaz de contaminar toda a história futura de uma comunidade, meu depoimento talvez possa ser útil.

III- UMA VISITA MUITO ESPECIAL

Lembro-me muito bem do nervosismo que tomou conta da cidade quando, em 93 (logo após o primeiro Abril Pro Rock), a diretoria da Sony anunciou que mandaria um representante ao Recife para contratar Chico Science... Fun! Fun! Zoeira Total! Diversão a qualquer custo, e a mais barulhenta possível! Esse havia sido o nosso lema quando, dois anos antes, sentindo o descompasso - o fundo do poço, o infarto iminente - , resolvêramos tentar de tudo para detonar adrenalina no coração deprimido da cidade. Depois de vários shows e eventos muito bem sucedidos, e do manifesto "Caranguejos com Cérebro" ( que transformou, de uma hora para outra centenas de arruaceiros inocentes em "mangueboys" militantes ), parecia que a cidade realmente começava a despertar do coma profundo em que esteve mergulhada desde o início da guerra dos 80.
Parêntese: não é exagero. Segundo os levantamentos mensais do DIEESE, Recife conseguiu manter sem muito esforço a impressionante e isolada posição de campeã nacional do desemprego e da inflação por nada menos que dez anos seguidos!!! Imaginem o efeito devastador que uma situação como essa pode provocar na alma de uma comunidade com mais de 400 anos de história e que só neste século havia gerado nomes da dimensão de Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Josué de Castro e João Cabral de Melo Neto. Para nós, que mal havíamos saído da adolescência só restavam duas saídas: tentar uma bolsa na Europa ou ganhar as ruas...
Então, a chegada da Sony representava uma espécie de prêmio coletivo. O significado simbólico era que finalmente podia estar se abrindo um canal de comunicação direta com o mercado mundial, como os caranguejos do asfalto haviam almejado em seu primeiro manifesto. Para todos os agentes e operadores culturais que viam seu talento e potencial atrofiados pela desmotivação, era o estímulo concreto que faltava. Afinal, queiram ou não, discos pop lançados por multinacionais movimentam várias áreas de expressão ao mesmo tempo: moda, fotografia, design, produção gráfica, vídeos, relações públicas, assessoria, imprensa, marketing, música,etc.
Daí em diante, pode-se dizer que teve início um efetivo "renascimento" recifense. Todo mundo gritou mãos à obra! e partiu para o ataque. As ruas viraram passarelas de estilistas independentes; bandas pipocaram em cada esquina; palcos foram improvisados em todos os bares; fitas demo e clipes novos eram lançados toda semana, e assim por diante, gerando uma verdadeira cooperativa multimídia autônoma e explosiva, que não parava de crescer e mobilizar toda a cidade. De headbangers a mauricinhos, de punks a líderes comunitários, de surfistas a professores acadêmicos, ninguém ficou de fora. Para se ter uma idéia, a frase " computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro" ( Mundo Livre SA ) virou tema de redação de vestibular de uma faculdade local.

IV - MANGUETOWN, 5 ANOS DEPOIS

O renascimento segue de vento em popa. A noite mais concorrida do último Abril Pro Rock foi a que reuniu três bandas locais. Mais de cinco mil pessoas pagaram ingresso e enfrentaram uma chuva intensa para aplaudir e cantar junto com Mundo Livre SA, Mestre Ambrósio e Chico Science e Nação Zumbi. O festival "Viva a Música", realizado em setembro passado, reuniu mais de 50 novas bandas. O disco de estréia da campeã, Dona Margarida Pereira e os Fulanos, está em fase de gravação. O programa Mangue Beat (Caetés FM 99.1) ocupa há 2 anos os primeiros lugares de audiência, tocando fitas demo e lançamentos locais, além de novidades de todos os cantos do planeta. O "Manguetronic", um programa de rádio idealizado especialmente para a Internet, vem se firmando como um dos sites mais acessados do Universo on Line. Os últimos cds do Chico Science e Nação Zumbi e do Mundo Livre SA e a estréia do Mestre Ambrósio figuraram na lista dos dez melhores do ano da revista Showbizz. Estão em fase de finalização os aguardados albuns de estréia das bandas Eddie e Devotos do Ódio. O Abril pro Rock 97 entrou pela primeira vez no calendário de eventos oficiais do Estado, ganhando assim uma ampla divulgação nacional e uma infra-estrutura mais organizada. A estréia em longa-metragem dos cineastas pernambucanos Lírio Ferreira e Paulo Caldas - o filme "O Baile Perfumado", cuja trilha é assinada por Chico Science, Siba (do Mestre Ambrósio) e Zero Quatro - ganhou vários prêmios, entre eles o de melhor filme, no último Festival de Cinema de Brasília. O estilista Eduardo Ferreira já recebeu vários prêmios nas últimas edições do Phytoervas Fashion. O Mundo Livre S.A. acaba de fazer 4 shows e um clipe no México, devendo participar de vários festivais europeus no segundo semetre...
(Pausa para respirar)
Temos como objetivo imediato pressionar a Prefeitura do Recife para tirar do papel e colocar no ar a rádio Frei Caneca FM, uma emissora sem fins lucrativos cujo orçamento para 97, ao que parece, já foi aprovado pela CÂmara Municipal. Afinal, o único e mais difícil obstáculo que ainda não superamos foi o das rádios comerciais. Sabemos que na Jamaica e em Salvador foi preciso o uso até de ações violentas para pressionar os disc - jóckeis. No estágio atual, não achamos que recursos sejam necessários. O Popspace não é invulnerável e a história está do nosso lado.
Quem acompanhou no Recife as últimas homenagens a Chico, sentiu a força de um compromisso coletivo. Hoje cada recifense tem no olhar um pouco de guerrilheiro da Frente Pop de Libertação. E o recado que queremos enviar para o mundo não é muito diferente daquele que nos mandam as comunidades indígenas de Chiapas- que têm no subcomandante Marcos o seu porta-voz. VIVA SANDINO! VIVA ZAPATA! VIVA ZUMBI! A utopia continua...
"- Quanto vale a vida de um homem, em quanto cada um avalia a sua própria vida, a troco de quê está disposto a mudá - la? Nós avaliamos muito alto o preço de nossas vidas. Valem um mundo melhor, nada menos. Homens e mulheres, dispostos a dar suas vidas, têm direito a pedir tanto quanto valem. Há os que avaliam suas vidas por uma quantidade de dinheiro, mas nós a avaliamos pelo mundo, esse é o custo do nosso sangue..." (Subcomandante Marcos)

Ass: Zero Quatro, com a colaboração de Renato L.

O segundo

Sempre achei estranho que existisse um segundo manifesto do Mangue, se nunca houve um primeiro. Afinal, "Caranguejos com cérebro" era um release.


Renato L: “Quando o release chegou nas redações, até pelo tipo de texto como foi construído, a imprensa começou a chamar aquilo de manifesto. “Manifesto Mangue, Manifesto Mangue, Manifesto Mangue.”[1]

Mabuse: “... mas era um release, não tinha “Ah, vamos lançar um manifesto”, era um release...”[2]

“Quanto vale uma vida”, o segundo manifesto do Mangue, foi escrito por Renato L e Fred Zero Quatro, em homenagem a Chico Science, logo após a sua morte. Esse foi um momento crítico para os mangueboys dado que a figura de Chico Science era o ícone do Mangue. Quando, em 2 de fevereiro de 2007, o carro que Chico Science dirigia se chocou com um poste na avenida que liga Recife a Olinda, a morte do cantor foi vista pela imprensa como a morte do Mangue. A dúvida quanto ao fôlego de sobrevivência da Cena Mangue já rondava a imprensa desde os lançamentos dos Cds Afrociberdelia, segundo CD de Chico Science & Nação Zumbi e Guentando a ôia, segundo CD de mundo livre s.a., em 1996. A polêmica atingiu seu ápice com a morte de Chico. Foi esse contexto que levou Renato L e Fred Zero Quatro a definirem “Quanto vale uma vida” como um manifesto. Naquele momento, os mangueboys acreditaram que era preciso um posicionamento firme diante das diversas previsões de que o Mangue acabaria.[3]

-Não, o segundo manifesto já é assumido como manifesto mesmo. Deixa quieto.

(- E segundo.)

- Como?

(- Segundo.)

- É o segundo, exatamente. É verdade, não tem o primeiro, mas tem o segundo, é verdade. É verdade, pois é, esse movimento é cheio de falhas na construção. É um fracasso, é um fracasso. (risos) [4]



[1] Entrevista com Renato L - 09 de fevereiro de 2007 – Recife (por Rejane Calazans e Clarisse Vianna)

[2] Entrevista com Mabuse – 09 de fevereiro de 2007 – Recife (por Rejane Calazans e Clarisse Vianna)

[3] Entrevista com Renato L, por telefone – 25 de janeiro de 2006 (por Rejane Calazans)

[4] Entrevista com Renato L - 09 de fevereiro de 2007 – Recife (por Rejane Calazans e Clarisse Vianna)

tamo aí mandando brasa

Com a morte de Chico Science, em dois de fevereiro de 1997, se intensificou a suspeita de que o Mangue estaria chegando ao fim. Bem, se o fôlego da Cena Mangue após a morte de Chico era colocado em dúvida, o fim da Nação Zumbi era certo. Era, mas não foi. Em homenagem a Chico, e como resposta aos rumores, os "naçãos" mostraram que continuavam "mandando brasa". Jorge Du Peixe, Bola Oito, juntos com Fred Zero Quatro e Falcão, fizeram "Malungo". Que contou com a participação de Jorge Benjor, Fred Zero Quatro, Falcão e Marcelo D2.